Se expressando espacialmente de forma cada vez mais urbana, sociedade e arquitetura buscam soluções que amenizem impactos socioambientais
Entre os mais evidentes e graves impactos socioambientais produzidos pela urbanização devido à sua intensa transformação do meio natural, encontram-se a contaminação e a formação de um clima urbano específico e, como conseqüência, a perda da qualidade de vida dos habitantes da cidade.
O cuidado com a orientação quanto à insolação, o bom aproveitamento de recursos como ventilação natural e o sombreamento de fachadas, assim como a especificação criteriosa de materiais são algumas das soluções que, quando inseridas dentro de um contexto global de um projeto, podem contribuir para garantir boas condições de climatização a um edifício. Prover conforto térmico ao usuário para que ele possa desempenhar plenamente suas atividades é uma condição inerente à boa arquitetura, independente do tipo de construção ou do local onde se situa. Hoje, no entanto, a necessidade crescente de reduzir o consumo de energia nas edificações acrescentou mais um desafio a ser superado para o pleno atendimento dessa demanda.
Isso tem exigido que a climatização artificial seja encarada como um recurso importante, mas não o único, para a obtenção de ambientes agradáveis termicamente. Até porque, nem sempre um potente sistema de ar-condicionado é garantia de conforto em ambientes fechados. A arquiteta Joana Carla Soares Gonçalves, professora da FAUUSP, explica que há questões relacionadas ao estilo e ao desenho arquitetônicos que requerem maior cuidado por parte dos profissionais. É o caso dos panos de vidro desprotegidos da incidência solar do International Style.
Comuns em cidades como São Paulo, as fachadas de vidro podem atingir temperaturas superficiais elevadas. Essa carga de calor é irradiada e afeta quem fica próximo das fachadas. “Nessa situação, mesmo em um ambiente com temperatura em torno de 22ºC, as ondas de calor emitidas pelo pano de vidro sobre os usuários irão causar desconforto”, ressalta Joana Gonçalves.
Assim como a maior eficiência energética incorporada aos sistemas de ar-condicionado, inovações e incrementos tecnológicos na área de materiais têm permitido que os projetos obtenham bons níveis de conforto sem elevar a carga térmica ou abrir mão da liberdade de desenhar. Entre os exemplos estão os brises e as persianas, que passam a ser produzidos em vários padrões e com diferentes matérias-primas, e as películas de poliéster que, aplicadas sobre os vidros das fachadas, reduzem o ofuscamento causado pela luminosidade e bloqueiam os raios UV.
Processo semelhante ocorre com os vidros, itens de grande impacto no desempenho energético de uma edificação e que, por isso mesmo, devem ter sua especificação respaldada em suas propriedades técnicas. Já é possível, por exemplo, encontrar vidros de alta tecnologia, multicamadas, cujo desempenho térmico pode até se equiparar ao de uma solução com brise externo. O custo, no entanto, é muito superior.
Apesar de todo esse progresso, a melhor solução de projeto térmico nem sempre depende de novos materiais. Joana Gonçalves defende que, em fachadas, uma proteção solar bem projetada, como a colocação de um sombreamento externo eficiente, por exemplo, ainda é a melhor opção. “As inovações em produtos aconteceram, mas o projeto como um todo deve ser pensado para dar conforto térmico de maneira natural sempre que possível”, complementa o engenheiro Roberto Lamberts, coordenador do Laboratório de Eficiência Energética de Edificações da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável.
Marcelo Meiriño, pesquisador do Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios e Meio Ambiente (Latec) da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda. Em sua opinião, os desafios energéticos e de conforto ambiental exigem que os arquitetos repensem algumas atitudes projetuais. “São cometidos equívocos diversos, desde a falta de atenção à correta orientação da edificação quanto à insolação e ventos dominantes, até a especificação de materiais inadequados às condições climáticas, especialmente para o envelope da edificação”, alerta o arquiteto, segundo o qual os profissionais têm buscado compensar as falhas de projetos com recursos tecnológicos, como sofisticados sistemas de ar-condicionado.
“Certamente o problema térmico está muito mais relacionado a falhas de projeto do que à ausência de materiais de bom desempenho. Se esse fosse o caso, como explicar o fato de termos edifícios de escritórios projetados há mais de 40 anos com um desempenho energético melhor do que muitos que fazemos hoje?”, questiona Joana Gonçalves.
Portanto, as estratégias mais simples parecem ser as mais eficazes para garantir conforto ao usuário, sem comprometer a eficiência energética. Plantas baixas com profundidade adequada para um bom aproveitamento da luz natural, proteções solares, assim como proporções mais equilibradas de áreas envidraçadas, a fim de aumentar a resistência térmica da fachada como um todo, são algumas delas, conforme a arquiteta e professora da FAUUSP. “Entre outras medidas importantes estão o uso de vidros claros para a boa penetração da luz natural, de esquadrias que se abrem para os benefícios da ventilação noturna, e a especificação de revestimentos externos opacos em cores claras para a maior reflexão da radiação”, acrescenta.
Como apoio à elaboração de projetos bem resolvidos termicamente, existem no exterior duas referências normativas relacionadas ao assunto: a norte-americana ASHRAE 55 e a norma internacional ISO 7730. De acordo com Joana Gonçalves, ambas apresentam métodos para predizer as condições de conforto com base na temperatura do ar, umidade relativa, velocidade do ar, temperatura média radiante, vestimenta do usuário e taxa metabólica do corpo humano, e não apenas com base na temperatura do ar e na umidade relativa. No Brasil, a norma técnica que trata diretamente do conforto térmico, a NBR 15220:2005 – Desempenho Térmico de Edificações, apresenta um método simplificado de avaliação do desempenho térmico de componentes construtivos.
Mesmo sem possuírem o status de uma norma técnica, outros textos procuram oferecer instrumentos para que os edifícios que privilegiem a eficiência energética possam ser diferenciados dos demais. Roberto Lamberts conta que já está em consulta pública a Regulamentação para Etiquetagem Voluntária de Nível de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos, elaborada pelo Laboratório de Eficiência Energética em Edificações da UFSC, no âmbito do programa Procel Edifica.
Para obter essa etiqueta, o edifício deverá se submeter a uma avaliação de desempenho térmico para verificar se ele se enquadra nos níveis sugeridos para iluminação artificial, ar-condicionado e desempenho da envoltória arquitetônica nas trocas de calor. “A expectativa é que essa regulamentação seja implantada ainda em 2007, passando a ter caráter obrigatório no prazo máximo de cinco anos”, conclui Lamberts.
Equilíbrio ecoeficiente
Atualmente em execução, o projeto do Labcog (Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento Humano-computador para a Amazônia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro procurou aproveitar as condicionantes ambientais em benefício de uma arquitetura sustentável, funcional e esteticamente inovadora, segundo revela o arquiteto responsável, José Wagner Garcia.
O edifício conta com uma envoltória com tratamento externo metálico (cobre, titânio e alumínio). Internamente, nas faces superiores, adotou-se um sistema de isolamento termoacústico composto de drywall, lã de rocha e poliuretano expandido. Já as faces laterais receberam placa cimentícia, lã de rocha e drywall.
As aberturas orientadas na direção norte e leste favoreceram a implantação de dispositivos de sombreamento projetados para captação da luz natural difusa e da luz solar direta por reflexão. Isso permitiu estabelecer uma condição de contemplação da paisagem externa nos ambientes de trabalho, sem incorrer em ganhos térmicos comprometedores do desempenho energético do edifício.
Por fim, um vazio entre os fechamentos externos e internos de 40 cm cria uma câmara de ar que reduz o impacto causado pela incidência solar e por ruídos, além de acomodar a passagem dos elementos estruturais e de instalações.
por Juliana Nakamura
Fonte: recriarcomvoce